Ou seria melhor, Mococa e Bruno Giorgi? Um não seria o mesmo sem o outro
por Thiago Miota
Neste feriado santo (redundante não é mesmo?) a Capital da Arte precisava descansar um pouco após horas e horas de textos e pesquisas sobre cultura. E o dilema era: qual cidade escolher? Além de pensar nos amigos, precisava ser um lugar que não remetesse a nada relacionado à arte ou cultura. Pois bem, escolhemosMococa, cidade de aproximadamente 70 mil habitantes do interior do estado de São Paulo, que faz divisa com Minas Gerais. Não sabíamos, mas era uma armadilha. Além de sua própria história, Mococa tem entre suas crias o ilustre artista brasileiro Bruno Giorgi. Que falha! Tudo bem, depois que caímos na armadilha e descobrimos onde estávamos pisando, não teve jeito, fomos atrás das histórias. Mas antes de falar sobre ele, é necessário fazer uma apresentação da cidade, aliás, bela cidade.
Vamos começar por seu nome, que significa “casa do pequeno esteio”. Fácil de entender, preciso apenas esquartejar o nome: mu:”pequeno”; co:”esteio”; ca:“casa”(não estranhe o “mu” ao invés de “mo”, por aqui as pessoas puxam o “o” para o “u” mesmo). Fundada em meados de 1840 pelo Barão de Monte Santo, o senhorGabriel Garcia Figueiredo, existe oficialmente como cidade desde 1875. Como diz o significado do nome, havia escravos na região devido a excelente plantação de café, considerada uma das melhores do país (nesta época o Brasil era o principal exportador de café do mundo, o que fazia da cidade uma das melhores do mundo). Contudo, em pouco tempo, veio à abolição da escravidão (como você sabe, em 1988) e os fazendeiros se viram obrigados a optar por outra mão-de-obra: a estrangeira. Em meio aquela onda de imigração ao país, toda italiana embarcando para nossa terra, não foi difícil para os poderosos fazendeiros de Mococa ajeitar a casa novamente. Sendo assim, em pleno nordeste de São Paulo, ocorreu uma forte mistura de europeus como alemães, austríacos e espanhóis, mas, sobretudo, italianos.
Depois da Primeira Guerra Mundial em 1914 e a decadência do café devido ao cenário internacional de crise financeira, a economia do país precisou mudar seu principal produto de exportação. Com Mococa não foi diferente. Ricos, os fazendeiros da cidade passaram então a investir em gado de leite. Por fim, durante aRevolução Constitucionalista, muito em função de sua localização, a cidade foi um dos fronts na batalha entre paulistas e mineiros. É possível verificar no patrimônio histórico da cidade as marcas da guerra.
Mas por que eu contei tudo isso? É que no meio de tudo isso, nasce em 1905, Bruno Giorgi, filho de imigrantes italianos. Ou seja, se não fosse toda essa história, não haveria Bruno Giorgi, nem uma série de outras coisas que vou contar mais adiante.
Como era filho de italianos, e nesta época as coisas por lá estavam melhores do que por aqui, o rapaz foi para Itália. Ainda jovem, envolveu-se com movimentos antifascistas, chegando até mesmo a ser preso, condenado a sete anos de prisão. Graças à intervenção de um embaixador brasileiro, ficou livre para retornar ao Brasil. Mas ele não sossegou. Também tentou participar da revolução espanhola, mas depois desistiu e foi para França, onde participou junto com outros italianos de um certo movimento antifascista através da arte. Ou seja, o cara odiava o fascismo com todas as forças.
Após todos estes conflitos e contato com muita gente culta, talentosa e engajada (Henry Moore, Marino Marini,Charles Despiau e Aristide Maillol), retornou ao Brasil, mais velho, mais maduro. Agora, fincando raízes, o artista começa suas grandes obras, verdadeiros patrimônios da cultura nacional. Seu estilo foi subdividido em três fases que compreendem sua produção nas décadas que vão de 1940 a 1950. A primeira fase, conhecida como figurativa, teve bastante influência acadêmica com vários retratos, bustos e corpos femininos, ora gordos e opulentos, ora alongados e líricos. Na segunda fase, chamada vegetativa, Giorgi mantém a utilização de figuras com hastes e preocupa-se com o dinamismo das obras. Na última fase, mais conhecida, chamada tectônica, as esculturas assumem um significado mais abstrato e um caráter mais arquitetônico.
O primeiro deles foi o “Monumento a Juventude Brasileira“(1947) nos jardins do Ministério da Educação e Saúde, atual Palácio da Cultura, no Rio de Janeiro.
Anos depois em Brasília, dos monumentos de sua autoria, destaque para “Os Guerreiros”(1959), mas que depois passou a ser chamado de “Os Candangos”. Com oito metros de altura, a estátua erguida em meio à Praça dos Três Poderes, é uma composição frontal e estilizada de dois corpos em pé. O grupo é quase simétrico, exageradamente plano, com pouca massa e muitos vazios. As figuras apoiam-se uma na outra, cada qual portando uma vara-lança; apenas uma se apoia no chão.
Interessante, mas “Candango” era o nome que os africanos usavam para referir-se a seus colonizadores portugueses, termo pejorativo para um individuo ordinário, ruim. Contudo, no Brasil, a palavra mudou sua conotação, agora referindo-se positivamente as pessoas que trabalhavam na construção da capital. Ou seja,Juscelino Kubitschek era um baita “candangão”. Daí o porque da mudança. Anteriormente “Os Guerreiros”, hoje o monumento é conhecido como “Os Candangos”. Em 1959 a palavra ganhava assim outro estatuto , o de sinônimo de desbravador, de homem que confia no progresso, de brasileiro comum, operário de Brasília. Sobre isso, o próprio Giorgi revelou: “Eu fiz os guerreiros que foram fundidos aqui no Rio de Janeiro. E eu tinha feito uma maquete de um metro e meio ai eles aprovaram, a comissão aprovou, inclusive o Oscar Niemeyeraprovou. Então depois eu ampliei aqui, fiz com 9 metros de altura. Depois tem um pequeno pedestal, depois tem dois elementos que se abraçam que chamam de guerreiro, mas o meu sonho era fazer uma homenagem ao candango. Tanto que depois veio pôr nome de candango. Isso aqui é um monumento aos candangos”.
Ainda em Brasília, além da obra citada, temos o “Meteoro” (1967), no lago do edifício do Ministério das Relações Exteriores, localizado no espelho d’água em frente ao Palácio do Itamaraty. Uma de suas obras em bronze, “Herma de Tiradentes” (1986), se encontra à esquerda da rampa de acesso ao Panteão da Pátria Tancredo Neves, uma justa homenagem a Tiradentes. Um dos seus últimos trabalhos foi o monumento “Integração” (1989), no Memorial da América Latina, em São Paulo. Bruno morreu em 1993.
Entre os habitantes da cidade existe um enorme orgulho em relação ao nome do escultor, sendo difícil encontrar alguém que não o conheça. É possível ver na praça da cidade algumas réplicas de suas obras como “A Esfinge”(1960), como também “Os Candangos”. Aliás sobre isso, há curiosidade um tanto trágica, contada pelas pessoas da cidade. Na praça, em meio há alguns jardins, uma mulher se aproximou e colocou o filho entre os braços da esfinge para tirar fotos. O problema é que a estátua já estava um tanto frouxa, e antes que a mãe esboçasse alguma reação, ela despencou sobre criança, matando-a. Em função disto, a estátua foi retirada da praça por alguns anos, mas está de volta, num local diferente.
Uma bela cidade de cruzamento histórico muito interessante com um dos maiores artistas brasileiros. Conivências a parte, é muito interessante os caminhos da história, seus detalhes. Ver que decisões aleatórias podem desencadear numa série de acontecimentos ao redor do mundo nos fazer perceber que não é possível entender o presente sem olhar para o passado. Enfim, vou voltar para o meu descanso. Espero não encontrar mais armadilhas da arte neste final de semana, senão, vou acabar descansando, com o Bruno. Ah! Sobre os habitantes de Mococa: divinamente hospitaleiros.